quarta-feira, maio 16, 2007

Rabo de Cana em O Pau do Índio


Todo dia, minha esposa
Sai prum bar e vem risonha.
Eu pensei sem ser mofino:
Só pode ser a maconha!
Mas quando a peguei insana
Senti foi cheiro de cana
E me matei de vergonha.

Eu tentei a cana nunca
Mais na boca arremessar.
Fiquei mais de três semanas
Sem na danada pensar.
E a mulher só me chegava
Cheia da tal cana-brava
Quase-quase a vomitar.

Mas a saudade chegou
Me deu uma bofetada.
Sofri com meu Padim Ciço
Rezando minha noitada
E todas as noites vinha
A minha mulher bebinha
Sem querer saber de nada.

Aquilo me deu nervoso
E corri para festança.
Fui tentar salvar a pobre
Da minha doce criança.
E a festa me deu vontade
De não mais negar verdade
E disparei na pujança.

Numa festança de rua
Só adoro os barris.
Barris de cana da brava
Que me deixam mais feliz.
Saio errante sorrindo
De tão bêbado caindo,
Me achando em chafariz.

Mas a festa de domingo,
Final de Copa do Mundo,
Vasculhei na praça toda
Que nem um bêbado imundo.
A cana tinha findado
E eu, mal acostumado,
Danei coçando meu fundo.

Toda vez que fico seco
Me bate essa esquisitice.
Fico o tangelo coçando
Como algo que se atice.
Então visei um bequinho
Fui pra lá bem rapidinho,
Fazer minha macaquice.

Corri pro bequinho escuro
E deixei de ficar mal.
Mirei uma torneirinha
De cana lá no final.
Meti os beiços de jeito
Mas quando eu olhei direito
Eu tava lambendo um pau.

Era dum índio fortão
Que sorriu feliz pra mim.
Eu disse para enrolar:
- Sou um sedento sagüim...
Ele me disse sem gana:
- Deixe lá, Rabo de Cana,
Sua mulher só faz assim!

terça-feira, novembro 14, 2006

Ô Caboco





Ô caboco, ô caboco,
Se tu tem o teu amô
Pede a Deus que te escute
E que mande uma fulô

Tu vem cantano chocalho
Co coité quedo e chicote
Ca lança cortano a cana
Cortano a cana cum corte

Teu retalho colorido
Faz o rosto como um beijo
Um arco-íris no mato
No arrebol do desejo

Tu corre solto na brenha
Medonho peto e mourão
Vai ligeiro bem loguinho
Vai danado pra Nação

Ô caboco, ô caboco,
Diz quem foi que te beijô
Na boca tu tem um cravo
Quem te deu essa fulô?

Aquela que te beijô
Se loura índia morena
Talvez num fosse papoula
Talvez num fosse açucena

O que foi que deu em tu
Pra ficá assim mofino?
Os teu zóio tão tremeno
Que nem fogo de traquino

Se tu tem um coração
Cheinho de amô pra dá
Pede a Deus que te escute
E mande um pra vim pra cá

Ô caboco, ô caboco,
Quem foi que deu esse amô?
Donde veio esse teu beijo
Que tu chama de fulô?

O teu cravo todo branco
Teu amô num talo só
Vê se deixa de muxoxo
E veve bem mais mió

Mas se dele tu tem falta
No teu cravo tá teu sonho
Corre solto pela brenha
E vai atrás do teu sonho

Solto na palha da cana
Teu estalo vai correno
Um arco-íris no mato
No arrebol do sereno

Ô caboco, ô caboco,
Donde veio essa fulô?
Eu num sei se foi do céu
Só sei que deixô o amô!

domingo, agosto 13, 2006

Nóis sofre, máis nóis goza!

Ouviram do Ipiranga um não sei quê
Se era a Liberdade foi mentira
Porque já me dizia Zé de Lira:
“Brasileiro nasceu para sofrer,
Viver sem sonho, coito e sem dendê
Fazendo disso a vida cor-de-rosa.
Enquanto o americano feliz posa
Para primeira capa do jornal”.
E por isso já lanço o quebra-pau:
Que por aqui, NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

Nesse Brasil já todo mal prendado,
Eu também deixo a minha besta prenda
Que se não és ladrão, ligeiro aprenda
E vá se transformar em deputado.
Também se já quiseres o senado,
Hás de bem estudar a boa prosa
Ou engatar na rima essa tal glosa
E se tornar também o presidente
Para logo empregar algum parente.
Que por aqui: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

Como o poeta disse: sertanejo
Quando do cafundó pra capital
Viaja com doença e passa mal
Só traz no matulão o seu desejo
Porém na capital só tem despejo
E quer morrer a vida valorosa
Com sede, fome, só tem rebordosa,
E vai pruma favela ser feliz.
E no costume, pensa logo e diz:
Que por aqui, NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

Com mais de mil mudanças sociais
Surgem novos trejeitos para o povo.
Boiola não é assim algo de novo
(Pois metrossexual se amostra mais).
Agora o pessoal recebe mais,
E se torna mulher linda e charmosa.
O parreco já é todinho rosa
Porque não sabe mais a sodomia
E, as hoje, elas, cantam todo dia
Que por aqui: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

As mulatas quebrando seus culotes
Deixam os machos lesos pra chuchu.
Não sabem as mulatas que o lundu
Danou por cá bem mais que qualquer xote
Pra bem assim eu pôr verso no mote
Que mulata diz “mula da danosa”
Em agüentar chibata tão penosa.
Mas com bravura, luta e muita raça,
O povo vive e solta a sua graça:
Que por aqui: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

A mulher quase tem o seu direito
Mas o homem inda é o seu patrão.
Ele é bruto, grosso e dá carão
Ganha mais e não faz nada bem feito
Ela pensa: que tudo tem seu jeito.
O marido não bate boa prosa
Mesmo assim ela veste cor vistosa
Mas o cabra só quer saber de si
E na cama a pobre pensa assi:
Que por aqui: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

O brasileiro é feito peido insosso:
Diz o que almoça, mas não sente o gosto.
Esse peido só sai a contra-gosto
Porque quer sair antes do tal Grosso
E por mais de tratar em ser mau moço
No cagador arrocha mão dengosa
E o cu sem ter conversa desejosa
Vai se rasgando pelo rego afora.
E co’essa puta dor, o cu nos chora:
Que por aqui: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

Num mundo de cobiça como o nosso
Pro Brasil, lá da Paris atrativa,
Chegou a Teoria Positiva
Que nos maltratou sem se ter remorso
E o burguês disse que nesse tal troço
“Ordem e progresso” é que era bondosa
Frase para a nação ficar famosa
E desenvolver com atividade.
Mas digo que em vez dessa inverdade,
Se escrevesse: NÓIS SOFRE, MÁIS NÓIS GOZA!

Recife, 18 de junho de 2006

quarta-feira, agosto 09, 2006

Bush, o Papa e Severino Cavalcanti

"Bush, o Papa e Severino Cavalcanti" - Esse cordel foi lasca. Até hoje me pergunto se coloquei muito palavrão... A intenção foi estar por dentro do que acontecia no Brasil e no mundo; escancarar de forma ridícula e grosseira as mazelas sociais atuais. Três personagens do cenário cotidiano. Três nomes altos naquele tempo. A morte de João Paulo II serviu como pano de fundo para a esquematização do roteiro. Fiz um Bush (sempre rimando com o refrigerante Crush, pela comicidade e crítica) semelhante ao diabo e Severino Cavalcanti, recheado de ingenuidade. Quis que ele parecesse um pouco com o Macunaíma, de Mário de Andrade. Não pareceu tanto, mas a ingenuidade, talvez, soube refletir o perfil do brasileiro, sempre desprotegido e humilhado. Aí está um cordel-escroto, assim prefiro chamá-lo. Algo muito diferente dos outros folhetos que escrevi."


Quando Jão Palo morreu
O mundo todo chorô
Foi aquele triste mote
Que ninguém mermo gostô
Foi véio e jove sofrendo
Cristão e judeu sabendo
Que um home bom nos deixô.

Foi muita reza pro Papa
Que pra gente já é santo
Muita vela, muito terço
Que num sei pra quê de tanto
Foi somente um home morto
E o mundo ficou foi torto
Sem ter bom acalanto.

A notícia mudou tudo
No Brasil foi feriado
Mas só pra seus mil político
Que num sabe o que é enfado
Fôro tudo pra fazenda
Dos seus imposto de renda
Que nunca fôro cobrado.

E lá nas Zoropa tava
O povo chei de aflição
Iam enterrá o Papa
Como todo bom cristão
Na paróquia de São Pêdo
Sem ninguém ter qualquer medo
Daquele triste corão.


Mas pra todo mundo isso
Foi mote pr’aparecê
Os político do mundo
Dero tudo em se benzê
Saíro pro Vaticano
Sem saber do seu fulano
Que tava no s’escalê.

E saiu gente do mundo
Logo pr’esse Vaticano
Turista, professô, padre,
Bebo, rico e Zé Sicrano
Todo mundo q’ria vê
O Sumo Papa valê
A fé de Deus no seu plano.

E chegando na basílica
Gente era só o que tinha
Todo mundo na calçada
Rezando sempre na linha
Té que chegou um nanico
Cum mala, cama e pinico
Dizendo a ladainha:

- Viva seu apostolorium
O Sumo Papa seu Jão!
E o povo todo medonho
Desintalou seu refrão
Repetindo o versejado
Daquele malamanhado
Feio, cabeçudo e anão.

Foi aí que num estrondo
Numa fumaça chegô
Um vulto lambido e chocho
De paletó no HELLO
Falou pro feio pirrito
Se ele q’ria pirulito
Pra fazer pra ele um shô.

O pobre andou mofino
E disse ser retirante
E que vinha do Brasil
Pra ver o Papa adiante
Chegô bem perto do home
E lhe falou seu tal nome:
Severino Cavalcanti.

O home de paletó
Fez cara de trambiqueiro
Porque o pobre era bestão
Ainda mai brasileiro
Pensou: Esse tá fudido
Vou explorá seu franzido
Pra me enchê de dinheiro

E Severino alezado
Caiu na prosa do chocho
Assinou papé sem lê
E se danou no seu cocho:
- Seu anão, tu é burrinho
Pois nesse meu caderninho
Diz que é meu o teu aro frouxo!

Nesse instante, o chocho disse
Sou dono do teu furico
Vou alugar teu negócio
Pra mim ficar bem mais rico
O meu nome é Dabliu Bush
E adoro tomar é Crush
Quando vou molhar o bico.

Severino ficou doido
Cum tal acontecido
Aquele gringo cibito
Manda já no seu franzido
Que lhe quer o cabaço
Pensou logo no regaço:
Nesse vou botar gemido.

Eles fôro prum bequinho
E Severino tremeu
Abaixou sua caçola
E seu franzido encolheu
Bush todo securento
Botou pra fora o jumento
Que loguinho endureceu.

Bush pensou ligeirinho:
Vou fudê logo o Brasil
Afundar minha jupenga
Nesse rabo de funil
Porque se num faço já
Alguém vai me vim falá:
Vá pra puta que o pariu!

Ele pegou com cuidado
O botão do miseráve
Alisou bem de mansinho
Pra botá muito no grave
Só que o triste meteu pé
Pensou: num sou Zé mané
E s’escondeu no Conclave.

Severino viu os home
Tudo de um tal de quipá
Eles eram cardeal
E tavam lá pra votá
Num novo e santo papado
Pra reger o comungado
Nos anos que vêm pra já

Severino se vestiu
Daquela longa batina
Num tava pra cardeal
Tava um galo de campina
Mas ali ficou de prosa
E co’s home meteu glosa
Com conversa mei traquina.

Falou do nordeste triste
Que o Brasil há tempo tinha,
Falou de João Alfredo
Sua cidade-mainha
E na tristeza da fome
Tinha gente que lhe some
Mais miséria duma tinha.

Os cardeal se calaro
Tivero pena do anão
E num gesto muito simples
Se fizeram bons cristão
Votaro nele pra Papa
Um véio morto de tapa
Era agora o seu chefão.

Então ‘ma nuvem branquinha
Da capela escapuliu
O povo gritou feliz
E ele na praça se viu
E um home lhe perguntou
Seu novo nome pro show
E o Papa logo seguiu:

- Eu sou cabeçudo e anão
Vim do mato sem covil
Passei fome, dei o cu
Mas num deixo meu Brasil
E pra agora tenho nome
Pro mundo que me consome
Quero ser o Papa Biu

Os cardeal preguntaro:
- Que nome é esse, Sinhô?
E o novo Papa lhes disse
Qu’era um nome lutadô
- Mas num pode um nome assim
- Tem que ser nome em latim
Pra num cair o andô

- Cale a boca, cardeal,
Porque eu sou a santidade
Faço qu’eu quero fazê
Pois tamém, sou otoridade
Foi nisso que apr’eceu Bush
De novo tomando Crush
Co’o papel da castidade.

Ei, Papa, eu sou o papa-cu
Vim cumê o seu furico
E antes que o sinhô se avexe
Vou lhe metê o meu bico
Passe logo pr’adiante
Severino Cavalcanti,
Essa roda de jerico.

O Papa mirô pra ele
Todo chei de danação
Isso aí tá Severino
Eu num sou mais ele não
O meu nome é Biu Primeiro
Santo Papa brasileiro
Vou salvá o meu sertão!

Dabliu Bush ficou besta
Mas logo deu-se no risco
Vou lhe ajudá, Papa Biu
Disse como pinto em cisco
Faça coisa de louvô
Ajude o povo c’amô
Como disse São Francisco.

E como Papa quis luta
São Francisco me dá luz
E nisso Biu teve sorte
Chico vai trazê cuscuz
Vou mudar o rumo dele
O rio vai fazê L
Pr’ajudá com muita juz.

E nisso Bush chegou
Cuns papel pr’ele assiná
Biu talhou forte o refrão:
O meu cu eu num vou dá
E Bush disse ligeiro:
Num tem nada de brejeiro
Pro sinhô se preocupá

E Biu assinou sem lê
- Home besta é mermo foda!
Agora o Brasil todim
É que tá dando s’a roda
E Bush deu cum dendê:
- Vou dançá bundalelê
Que aqui qualquer merda é moda.

E assim deu-se c’a moléstia
Brasil nem cum santo vai
Papa Biu foi logo expulso
Por fazê merda demai
Agora Bush faz tudo
E todo mundo tá mudo
Que nem casa de carai!

Recife, 21 de junho de 2005

domingo, julho 23, 2006

A Ida de Maria Bonita à Fashion Week

O primeiro folheto de cordel. Eram as férias de julho que já estavam chegando ao fim.Em duas tardes (dias 28 e 29) escrevi a narrativa, à mesa da sala da casa de minha mãe. Lembro de alguns amigos ficarem desconfiados e cabreiros sobre a Maria Bonita em São Paulo e na Fashion Week, evento que já era "chique". Bem, a intenção foi a mescla de culturas que é comum na Literatura de Cordel, principalmente pelos cordelistas contemporâneos. O melhor foi sentir a emoção de um trabalho ser publicado. Marcelo Soares, um dos maiores xilográfos em atividade, elogiou o trabalho. O mais interessante é que "A ida de Maia Bonita..." fez com que nos conhecessemos. Sofri um pouco com a "redondilha maior" - métrica de sete sílabas, pois até então eu escrevia sonetos em estilo decassílabo...Foi a minha entrada no mundo do cordel.

Andando de canto a canto
Do Ceará pra Buíque
Maria Bonita enfada
Num tava güentando o pique
Chegou pra Lampião séria
Vou pra Sum Palo de féria
Visitar a “Fechuíque”

Lampião deu c’a miséria:
- O que é meu outro num óia
Quanto mais minha mulé
Pra homem coçar jibóia
Pode baixar seu archote
Que hoje num tou bom pra xote
E num vai nem c’a pinóia!

Maria Bonita zangou-se
E atirou fora os perfume:
- Se você num me deixar
Num vai ter boca que fume
Nem espingarda que atire
Nem pedido que eu me vire
E nem laranja com gume

Ele ficou todo gaizo
Se ficasse num comia
Se ela fosse pra lá
Sexo também num fazia.
Logo ele moleceu o braço
E foi lhe dando um abraço
- Lá ela num me judia

Virgulino foi falando
Mais manso que uma preguiça
Maria Bonita andando
Logo foi pondo premissa:
Pegue o nosso matulão
Me leve para estação
Que o trem já já desenguiça.

E Lampião se encolheu
Nem sequer deu chiadinho
Pensou: A mulé se vai
E eu fico aqui sem carinho.
Mas vou fazer sua vontade
Quem ama vê lealdade
Não fica vendo daninho.

E Maria Bonita foi
Sozinha no mei do mundo
No verso dum foi não foi
Dum poeta sugismundo.
Descendo a Sanfranciscana
Pela caatinga baiana
De cerrado bem no fundo.

O condado arbustivo
De herbáceas se reveste
Caminho um tanto seguido
Por muito cabra-da-peste
Que sai dum feroz mormaço
Cruzando um tal de Espinhaço
Nessa região Sudeste.

Maria Bonita já viu
Muita cidade presente
De Juazeiro a Corinto
E o Chicão de penitente
Porém chegando em Sum Palo
Ela deu danado estalo:
- Aqui se entupiu de gente!

A cangaceira cantou
Da beleza que deu vista
Viu gente do mundo inteiro
Alegrou-se da conquista
De ver mulher trabalhando
Sozinha ou também em bando
Nessa avenida Paulista

Assustou-se com a Política
E com tamanha surpresa:
Um é médico e defunto;
Outra de frango é nobreza;
Um rouba para fazer
Ninguém sabe o que temer
De gente com safadeza!

Passada a apresentação
Dessa cidade gigante
Maria Bonita correu
Pro desfile num instante
E ela que só foi olhar
No lugar de visitar
Deu para ser desfilante.

Foi aí que um rapazote
Lhe tirou a carapuça
Ela de doida se armou
Meteu-lhe o cano na fuça
- Me dê essa minha touca
Senão lhe meto na boca
Bala que deixe ela avulsa!

O menino se tremendo
Cabou de medo cagando
Daí veio uma mulé
Mui alta se esprivitando
- Senhora, não fique prosa
Como sinhá é famosa
Nós tamo lhe convidando.

Maria Bonita, cabreira,
Achou que era conversa.
E de tanto matutar
Enxergou-se toda aversa:
- Vá pra lá com prosa imunda
Qu’eu num mostro minha bunda
Fico feito mulé persa!

- Mas d. Maria Bonita
A senhora é belezura
Rosto lindo, de olho firme,
Coxa grossa e perna dura.
E a Rainha do Cangaço
Amoleceu o corpo e o passo
Remoendo rapadura:

- Eu num saí do sertão
Pra servir que nem modelo.
Lampião tá lá sumido
Sem saber desse novelo
De coisa tudo entronxada
De mundiça afrescalhada
Que nem penteia o cabelo.

A modeleira calou
Mas logo comeu na linha:
- Se num queria desfilar
Por quê avisou que vinha?
Maria Bonita tremeu
E de mofina se deu:
- Foi pra comprar calcinha.

E a Rainha concordou
Com a proposta desfilar:
- Mas antes de me chamarem
Eu devo ir prum lugar.
Vou pruma igreja me ter
Já pro Senhor me benzer
Pra Lampião num brigar.

E assim se foi a Rainha
Num veloz dum bacurau
Foi simbora lá pra rua
Pra ninguém lhe falar mal
Tinha gente de Sumé
Lá na praça Santa Sé
Onde fica a Catedral.

Rezou muito disposta
Pros santos da ladainha
Cum terço na mão direita
Deu foi rosário na linha.
Pediu pra santo de pobre
Qu’assim a alma é pura e nobre
De São Bento à Terezinha.

Chegando na Bienal
Vestiu roupa de etiqueta
Que de tão raparigada
Mostrava a danada preta.
Foi um fole tão renhido
Que catucou o pissuído
Deixando a desgraça feita.

A Rainha estarreceu
Cuma raiva da disgrama
Aquetou sua jurubeba
Mas deu cacete na dama:
- Me dê roupa, sua jupenga,
Que eu num tô aqui de quenga
Pra exibir a minha “fama”!

E botaram roupa justa
Salto alto, batom e laço
Ela, de graúda e nova,
Num deu pra ninguém espaço
E da silhueta a curva
Deixou foi modelo turva
Que nem o Rei do Cangaço.

Foram fotos pra jornal
E entrevista pra TV
Matéria para Internet
Pro mundo todo sabê
Inclusive Lampião
Que botou mão no cocão
E sentiu o chifre crescê.

Mas Maria Bonita riu
Quando Cicarelli veio
Tão charmosa, toda chocha
Bem enfeitada de arreio.
E vendo a Rainha bela
Chegou bem pertinho dela
Ficando só de joeio.

As modelos do estrangeiro
Ficaro tudo maluca.
Mulé feito aquela é sonho
Gisele Bündchen é a Cuca.
Montaram um cafundó
Que chega mermo deu dó
De tanta feia no açuca.

E de Maria foi sucesso
Que na semana seguinte
Para o Rio de Janeiro
Caiu toró de pedinte.
Ela já muito vaidosa
Num deu pra curtir a glosa
Lembrou do século XX.

Maria Bonita correu
Foi vortá para estação
Pegar o trem bem ligeiro
E se daná pro Sertão
Que taipa pra pau-a-pique
Sulanca pra “Fechuíque”
É dengo no coração.

E chegando no Araripe
Destrambelhou o Seridó
Traquinando o Ibiapaba
Remexendo o Moxotó.
De longe viu Lampião
Cum punhal de ouro na mão
Apontando o seu gogó.

- Que história foi dessa vez
Que a senhora me arrumou
Deu no jornal e TV
A Dona me corneou?
- Eu num sei dessa Dona
Tinha lá Maria Lindona
Que todo mundo mirou...

E assim, o verso partindo
Tudo ficou muito bem
Lampião de brabo certo
Sabe: bela mulé tem.
Intonce o bando detona
E o verso pede carona
Pelos planaltos do Além.


Jaboatão, 29 de julho de 2004.